Confissão


Eu não vi os vídeos, não ouvi os áudios sobre a violência que avassalou os terreiros, casas de axé, casa de santo, casa de candomblé, umbanda, na semana passada. Não tive coragem, eu confesso.
Confesso que tais atos me fizeram refletir e lembrar de quando eu namorei um evangélico e do quanto eu aprendi sobre como não ser intolerante.

Na época, eu estava iniciando minha caminhada na ayahuasca, frequentava esporadicamente, mas frequentava. E um dia ele demonstrou irritação por conta da minha escolha espiritual. Vira e mexe, ele dava um jeito de dizer que não entendia muito as escolhas espirituais da minha família: como numa casa podia ter a bíblia, livros sobre Orixá, imagem de Buda, livro cardecista, imagem de São Francisco, Kuan Yn... tudo no mesmo altar?

Nós, as Oliveiras, éramos e somos assim.

O namoro seguiu e um dia ele voltou a verbalizar o descontentamento dele por eu continuar frequentando os trabalhos com ayahuasca.

Eu respirei e disse que queria conhecer um culto da igreja dele. Fui. Me emocionei, confesso. Num dado momento, abstrai os julgamentos todos que me vinham e abri o coração para entender o que era aquela experiência. Coisa que talvez, eu só tenha conseguido fazer, porque ja vinha num caminho de educação espiritual no qual o respeito às manifestações do divino é fundamento. Isso minha família ensinou e a ayahuasca reiterou.

Acompanhei ele algumas vezes no culto, eu precisava entender aonde residia o preconceito dele. Li a bíblia, para entender aonde estava escrito o embasamento do julgamento dele. Não achei nada.
Até li uma passagem que dizia "alguns tocaram tambores para subir aos céus". Eu não me recordo em qual livro bíblico esta passagem está escrita, mas recordo que quando eu li, pensei: o que os pastores e devotos, que estudam este livro, fizeram com esta passagem? Pularam? Não leram?
Enfim, o namoro chegou ao fim, por motivos óbvios.

Eu continuei consagrando aquilo que eu considero de medicina d'alma. Continuei meus estudos, meus aprendizados sobre as tradições dos Orixás e hoje, sempre que posso, vou num terreiro honrar minha memória ancestral e celebrar com xs amigxs filhxs de Santo. Respeito profundamente a tradição, a jornada e a iniciação deles, sei do quanto a vida de muitos foi transformada quando encontraram suas casas.

É dolorido, dói na alma, ver a minha fé, ver a minha ancestralidade sendo mais uma vez despejada, queimada, depredada e perseguida.



É muito possível que eu tenha sido uma das que morreu na fogueira. E eu não serei queimada novamente.

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