ensaio VII -

As quatro tiras de madeiras em comunhão com a superfície lisa e laminada formam o quadro-portal das vaidades cotidianas. Em meio aos adesivos, fotos e trechos de poesias Ela-Eu se projeta nos sonhos e reflexões. Atrás de si, a parede lilás revela a vontade de quem um dia quis a transcendência.

Na ação cotidiana, Ela-Eu respira e observa os traços da história. Há quanto tempo não se observava com tamanha curiosidade? O que de novo Ela-Eu pode se revelar? O que muda neste estado riacho da vida?

Ela-Eu percebe os rastros da passagem do tempo, a pele cor terra, barro pisado recebe o relevo dos moldes pelas mãos de um deus qualquer. Longe de ser beleza padrão, o negro da pele contrasta com o branco que protegem os olhos-jabuticabas que deixam escorrer a paz e alegria.

Sem negar o empapuçado de quem acabara de acordar, o rosto carrega o calor da cama. Enquanto Ela-Eu se observa, desperta em si-mim a vontade de auto-tradução.

Honrado leitor, veja como Ela-Eu traz consigo a vaidade e individualismo nas construções ‘pseudos-poéticas’ que mais revelam o caráter existencialista e auto-representativo da sua personalidade.

Em estado de hipnose Ela-Eu não percebe a fronteira que a deixa diante deste portal- laminado. Os olhos se desviam, por um instante, e no caminho encontram a frase do poeta “só me encontro quando de mim fujo”, a grafia roxa e desleixada compõe com a pele que carrega as marcas da adolescência.

Ela-Eu parada diante do portal, tateia o caminho daquilo que se projeta no mundo. Os lábios carnudos, ressecados pelo clima inconstante da cidade, formam o útero do verbo, Ela-Eu acredita que eles guardam seus dons.

Sem esconder o brilho e oleosidade, Ela-Eu sonha com a maciez. Seus dedos continuam a caminhar, ora no rosto, ora no teclado. Suas reflexões não fazem música, fiam histórias. Enquanto caminha em si-mim, Ela-Eu esboça sorriso ao encontrar com o órgão que salta da pele, ora em formato de coxinha ou focinho de porco, ora fonte de muco e limpeza.

Os cabelos desgrenhados, que mais parecem novelos de lã recém colhida, também compõem a fotografia d’Ela-eu, os dedos se embaraçam nas madeixas. Ela-Eu em seu quadro interior deixa ir o que precisa ir. Surpreendida pelo o vibrar Ela-Eu desperta. O tempo que antes marcava os traços de sua história, agora marca o seu atraso: Ela-Eu parada em frente ao papel laminado crê por instantes ter visto a verdade.

Querido leitor, neste momento da história Ela-Eu sai apressada pela casa, recolhendo as peças e vestindo a persona do dia-a-dia. Que Oxalá-Brahma-Jesus-Tupã possam proteger as caminhadas d’Ela-Eu neste dia que começa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

vin'Olhar

dis-parada