ensaio terceiro: O enigma demiurgo

Caro leitor, 

não se espante. A narrativa pode lhe soar estranha, floreada, impressionista e inefável, contudo, para  o tema que me toca e me inspira faltam-me palavras e vivência empírica. Este texto trata-se de especulações sobre a morte. A história narrada é apenas fruto da imaginação, expressão de um inconsciente aflito por respostas. As passagens que aqui se encontram buscam apenas responder uma pergunta. O que é morte? Morte é passagem. O morto quando diagnosticado é levado para uma sala gélida, um acompanhante lhe veste, lhe maquia e em seguida seu corpo é acomodado numa caixa de madeira preenchida com flores.
Fora da sala uma mulher de pele acinzentada, cigarros na mão, cabelos desgrenhados e óculos na ponta do nariz observa a jovem de saia florida, olhos inchados e rosto avermelhado. A jovem lê atentamente o livro “A alma nunca morre”. Tudo está em silêncio. E de repente, ouve-se: “quando eu morrer não quero choro nem vela”, elas se olham.
-        Quem disse isso?
A jovem em silêncio, levanta os ombros e continua lendo o livro. Como num sussurro, fala entre os dentes:
-        E, então pendurou seus esqueletos na árvore, Iroko, deitou seu corpo sobre o gramado e aguardou o nascer do sol.
Para os indígenas sul-americanos, a morte é demiurga, criadora de mundo. Os povos do Xingu, em homenagem ao morto realizam uma grande festa, o kuarup. Danças, comes e bebes, troncos de kuarup adornados são dispostos no círculo sagrado para prestar homenagem ao homem-morto. Já, os povos de origem Iorubá, africanos, fazem oferenda às forças da natureza para que o morto faça a travessia e encontre a transformação. Exu, guardião dos caminhos guia o espírito durante o trajeto.
Os povos tungues, siberianos, passam a noite em claro narrando histórias em volta da fogueira. O fogo representa a luz primordial, a essência divina, para os junguianos representa a reprodução e a transmutação. Os físicos modernos teorizam que nada morre apenas muda de forma. Sendo assim, é cabível compreender as definições para a palavra morto: “água estagnada, esquecido na memória”. Aos psicoterapeutas a morte é a rompimento do ego, a transformação; logo, morte é um estado.
A jovem continua a murmurar:
-        Olhou para a árvore que apontava o céu e caminhou por dentro dela.
A árvore: para os Iorubás representa o tempo, aos indígenas sul-americanos: o corpo, e aos povos tungues siberianos: o espaço; a partir dai explica-se a santíssima trindade cristã.
A mulher de aparência acinzentada leva a ponta dos dedos à testa, ao coração, ao ombro esquerdo, ao  ombro direito e aos lábios, em seguida agarra-se ao colar de contas e coloca-se murmurar:
-        Assim na terra como no céu.
Se a terra é a matéria e o céu é o etéreo. Do que é feito o homem? Ora meu caro leitor, deixe esta pergunta aos filósofos biólogos ou malucos. Minhas divagações sobre a morte vão até aqui.No entanto,sinto pulsar em meu peito mais uma questão: o que move o homem? E, então, lhes digo: o intrometimento de desbravar-se.

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